quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

As diferentes (di)visoes da Paz


Uma duzia de dias passados desde a minha chegada ao Sudao e parece-me ser tempo de reflexao e balanco desta realidade que vou observando diariamente. Privilegiando o contacto directo com os varios actores envolvidos (directa ou indirectamente) no processo de paz e de reconstrucao, tenho procurado sentir e conhecer as diferentes visoes da paz num pais que viveu em estado de guerra quase permanente desde a independencia em 1956 e que vive, hoje, um clima de violencia aberta no Darfur, de instabilidade latente a leste de de paz formal a sul. A diversidade e complexidade da sociedade sudanesa 'e, tal como o territorio sudanes, imensa. E essa diversidade esta, para o bem e para o mal, bem patente no dia a dia da capital sudanesa, o que torna dificil juizos de valor e opinioes bem definidas. Pelo contrario, as duvidas sao muitas e admito que se tem instalado uma certa confusao. E grande parte das duvidas decorrem do facto de, nestes ultimos doze dias, me ter passeado pelas ruas de Khartoum num misto de curiosidade, estranheza, espanto, tranquilidade e extrema seguranca (mesmo quando, como hoje, me cruzo com uma coluna da policia militar e de choque estacionada em plena avenida da Universidade). E 'e essa sensacao de seguranca que complica a minha percepcao da realidade. Nao porque quisesse ou preferisse experimentar a sensacao oposta, mas antes porque esta (aparente?) seguranca deixa transparecer, e bem, as diferentes visoes da paz. Em Khartoum nao ha guerra, violencia, assaltos, rixas, desacatos ou assedios e por isso se vive em paz, pelo menos no seu sentido negativo, de ausencia de guerra. Mas em Khartoum ha pobreza, extrema e visivel, a par da riqueza tambem extrema e tambem visivel, numa desigualdade bem ilustrada nos carros topo de gama, blindados, com vidros fumados e ar condicionado que se cruzam com as viaturas bem mais que obsoletas que normalmente servem de taxis, ou nas imponentes e grandiosas mansoes que partilham muros com construcoes praticamente inabitaveis no bairro de Amarat. Poder-se-'a, assim, falar de paz? A paz, no seu sentido positivo, de ausencia de desigualdades? Para algumas das pessoas com quem tenho falado, essa paz nao existe ainda, mas 'e uma aspiracao que acreditam poder concretizar em breve; para muitos outros, pelo contrario, essa paz esta cada vez mais longe. E por tudo isto a seguranca e instabilidade aqui aparentes se tornam profundamente perturbadoras. 'Assombrada' pelas duvidas pergunto-me, na minha curta viagem da sede do PNUD para a sede da Uniao Europeia em Khartoum, qual tem sido entao o envolvimento e papel da 'comunidade internacional'? E vem-me 'a memoria a resposta de um sudanes do sul a quem tinha colocado a mesma pergunta dias antes. Sem qualquer tipo de hesitacao responde-me: 'a comunidade internacional tem demonstrado muito boas intencoes; mas essa mesma comunidade internacional, bem presente no quotidiano dos sudaneses, tem que se convencer de que as boas intencoes nao alimentam as pessoas, nao as protegem e, mais importante que tudo, nao lhes garantem uma paz real no futuro proximo'. Wise words...

1 comentário:

Maria disse...

Estive a ler um artigo de comentario acerca de qustoes de seguranca...
A forma como a necessidade de seguranca por causa de uma ameaca, pode por em causa os direitos do individuo. Essa ameaca pode nao existir de todo, contudo a opiniao publica, os lobbys, os altos signatarios, a "audiencia" e convencida de um "horror" que se encontra nas sombras e que poe em causa valores como a liberdade individual - a sua restricao e vista como um passo minimo e insignificante para um bem maior: a SEGURANCA.
Nao da mesma forma que no Sudao, mas aqui por terras da Sua Majestade Isabelita existem os "crime stoppers" - uma policia composta por "criancas de 18 acabadas de sair do secundario" com os mesmos direitos que uma policia normal e com os mesmos poderes. A sua autoridade e incontestada e qualquer pessoa pode ir presa se ELES considerarem que infringem a lei - e de uma noite na prisao e de cadastro nao se safa! Funcionam tambem muito a base de "informadores" e pessoas que, por algum motivo, querem dizer e fazer mal ao vizinho - e viva a PIDE...
Nao posso deixar de mencionar tambem as camaras de vigilancia CCTV que tem em todos os cantos - inclusive no interior do meu predio, no patamar, escondidas nas lampadas.
Nao me sinto mais segura com isso, apenas mais vigiada, da mesma forma que nao e mais seguro para a universidade que tem a policia de choque a porta...