segunda-feira, 10 de março de 2008

Pausa...

Terminada a viagem ao Sudão termina igualmente a razão de ser deste blog, pelo menos por enquanto. Se a coisa correr bem, talvez daqui por uns meses, em Junho e aquando da minha passagem por Juba e Rumbek, no sul do Sudão, volte a reanimar este espaço da blogosfera. Vamos ver como correm as coisas. Por isso, em vez de um adeus, fica apenas um até breve.
PS: e um obrigada a todos os que por aqui foram passando, espreitando, comentando...

domingo, 9 de março de 2008

O regresso

O regresso a Portugal foi cansativo, mas sem problemas. O voo de Khartoum a Frankfurt foi um pouco atormentado pela falta de cartão de embarque na ida e pela possibilidade de greve nos aeroportos alemães que tinha, na véspera, obrigado ao cancelamento de mais de 100 vôos para a destinos europeus.. depois do filme da ida, não me apetecia nada ser protagonista de mais peripécias em aeroportos do mundo. Felizmente consegui cartão de embarque para o Airbus 300~600 vindo de Nairobi, e felizmente não houve greve nem atrasos em Frankfurt. Mas não nego que houve peripécias interessantes até à hora de entrar no dito avião em Khartoum. Por exemplo, é preciso pagar uma taxa de saída no valor de 35 libras sudanesas (o equivalente a cerca de 12 euros) e até nessa altura o rapaz do guichet, depois de ver que o meu passaporte era português começa a gritar 'Ah, Portugal! Figo, Cristiano Ronaldo, Quaresma! Very good very good..'. É a nossa sina, só pode ser; adiante, na passagem para o hall de controlo do passaporte é preciso preencher um formulario de saída, com todos os dados pessoais e motivos da visita ao país (a burocracia sudanesa é qualquer coisa de indescritível, acreditem); em pleno terminal interno do aeroporto cai um gato do tecto, vindo nao se sabe muito bem de onde, no exacto momento em que eu ia a passar; o controlo de segurança dá prioridade aos árabes independentemente da fila ordeira de passageiros estrangeiros e por isso este torna-se um processo lento e algo sofrível; o trajecto para o avião é feito de autocarro, mas a distancia não é mais de 100 metros; last, but not the least, a entrada para o avião é obrigatoriamente ordeira e em grupos de 5 pessoas de cada vez. O resultado final foi o atraso do vôo, claro. Tirando isso, tudo normal ;)

quarta-feira, 5 de março de 2008

Balancos finais


Hoje 'e o meu ultimo dia em Khartoum, pelo menos nesta primeira viagem. Se tudo correr bem, conto regressar ao Sudao em Junho mas dessa feita ao Sul (Juba e Rumbek) para mais uma leva de entrevistas e trabalho de investigacao. Levo desta experiencia e desta estadia a melhor imagem possivel dos sudaneses. A simpatia, acolhimento e humildade sao de sublinhar, sem duvida alguma, assim como a coragem diaria de grande parte destas pessoas. Viver em Khartoum (e no Sudao) nao 'e facil. Decadas de guerra, a imensidao do territorio, as adversidades naturais e um governo de legitimidade duvidosa e poderes autoritarios fazem com que este seja um pais dificil, mas com uma imagem significativamente distorcida pelos acontecimentos tragicos no Darfur. Felizmente o Sudao nao 'e so o Darfur e espero que estes relatos tenham passado essa ideia. Alem do po entranhado na pele e nos sapatos, levo daqui os sorrisos, os risos, as esperancas, as angustias dos sudaneses; a imagem de um povo que com tao pouco consegue ainda assim fazer tanto. Por essas razoes, em Junho voltarei com gosto e com vontade.

As ultimas horas em Khartoum


'E mesmo a contagem decrescente para o regresso :)

Curiosidade do dia: IBM

A vida sudanesa parece reger-se pelo espirito 'IBM': Inshallah (oxala), Bokra (amanha) e Mallesh (desculpa). Isto porque os sudaneses tendem a ser profundamente crentes na vontade de Ala para conseguir os seus objectivos, gostam de deixar as coisas para depois e sempre que nao cumprem pedem desculpa...

segunda-feira, 3 de março de 2008

Camelos


E, sim, vi camelos, eles existem por aqui... eis a prova ;)

Circular em Khartoum parte II




Ainda sobre as minhas andancas e correrias pelas ruas de Khartoum e seu transito caotico, e apropriando-me de um excerto de uma conhecida musica de Frank Sinatra, so vos digo isto: 'If I can make it there, I'll make it anywhere...'! 'E uma aventura diaria, garanto-vos. E normalmente bem divertida. Vai ser giro voltar a habituar-me 'a 'calma' de Coimbra :)

As leis do casamento

Fiquei hoje a saber, por acaso, que no Sudao ha uma lei que obriga a que todos os casamentos e respectivos festejos terminem 'as 23h00 (agora percebo porque 'e que aqui ha dias um amigo meu saiu de casa 'as 21h00 para um casamento e chegou a casa pouco passava das 23h30...) e que o casal recem-casado so se pode registar num hotel a seguir se levar o respectivo comprovativo devidamente assinado por quem realizou a cerimonia... Algo me diz que esta lei nao seria muito bem aceite entre os portugueses que tanto apreciam os festejos e bailaricos noite fora, tao tipicos dos nossos casamentos! Mas se o Socrates sabe disto, ainda 'e bem capaz de adoptar uma lei assim; ao fim ao cabo, alem do ingles tecnico, ele parece ser igualmente bom a tomar medidas pouco populares ;) Se bem que, por outro lado, esta coisa de acabar o casamento 'as 23h00 poupava a alguns umas valentes secas e as igualmente tipicas dores de pes causadas pelos sapatos, bonitinhos, mas desconfortaveis que normalmente se usam! Hummm, ate nem era mal pensado...Alguem tem o e-mail do Eng. Socrates?

Curiosidade do dia

A poucos dias de me despedir de Khartoum e do Sudao, fiquei a saber que por estas bandas e em arabe, Portugal significa laranja (o fruto e nao a cor, entenda-se)! E fiquei a saber isto por acaso e em circunstancias particularmente engracadas. Pelas ruas de Khartoum, sobretudo em Amarat, ha sempre imensos vendedores de fruta ambulates, que carregam caixas de laranjas ou morangos frescos aos ombros. Um dia destes, quando regressava a casa, o taxista, que ja me tinha perguntado de onde era, parou em frente a um desses vendedores, apontou para uma caixa de laranjas e disse, entre gargalhadas: 'aqui esta, o teu pais inteiro dentro de uma caixa!'.. Foi ai que percebi que em arabe 'portugal' sao laranjas ...How fun is that? :)

Farouq, a primeira refeicao do dia


No Sudao, o farouq cumpre-se diariamente entre as 9h e as 11h da manha e equivale ao nosso pequeno-almoco, mas 'e bem mais substancial e obedece a regras bem mais definidas. Por toda a cidade, a essa hora, as pessoas reunem-se nos cafes, ou mesmo nas muitas banquinhas improvisadas nas esquinas e onde as mulheres asseguram um cafe ou cha a qualquer hora do dia. O farouq consiste num prato fundo de metal (gidra) onde se misturam feijoes guisados (ful) em oleo, especiarias e servidos com pao (kisra). A refeicao 'e partilhada por todos, da mesma tigela e acompanhada por cafe (ghawha), cha (shai) ou sumo de frutas. A consistencia e composicao do farouq explica-se pelo facto de esta ser a mais importante e, para muitos, a unica e mais completa refeicao durante todo o dia. (Li algures que, nos meios mais pobres, este mesmo prato 'e improvisado e consiste apenas em pao embebido na agua de cozer os feijoes; e em vez de farouq chama-se bush, nome que foi buscar' a epoca em que o Presidente Bush (pai) decidiu suspender a assistencia alimentar ao Sudao por alegado apoio do governo ao regime de Saddam Hussein durante a primeira guerra do Golfo!Espirituosos, os sudaneses..). Mas nao deixa de ser um quadro bem interessante, o que se ve, todos os dias, 'a mesma hora, nas ruas de Khartoum. E se a este cenario de rua juntarmos as cores vivas das vestes (tobes) das mulheres, o branco das jallabiyas dos homens e o colorido das bancas de frutas e vegetais espalhadas pelas ruas, temos sem duvida um quadro belissimo e muito interessante da realidade social sudanesa.

sábado, 1 de março de 2008

Comunidade internacional


A presenca da 'comunidade internacional' 'e bem visivel no quotidiano de quem vive em Khartoum. No bairro de Amarat, perto do aeroporto, essa presenca ve-se sobretudo nos jipes brancos e de matricula vermelha com a respectiva indicacao da organizacao a que pertencem (ONU, UE, Embaixada, ONG...) estacionados em frente a casa sim casa nao, assim como a circular por toda a cidade. A presenca da ONU 'e, talvez, a que mais se nota, e isso percebe-se tambem pela pergunta constante que me fazem nos taxis onde entro: 'Are you working for the UN?' La vou respondendo que nao, sem entrar em grandes pormenores, mas tentando sempre tirar as minhas conclusoes sobre o assunto. Um destes dias, um alto cargo do Programa das Nacoes Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), um simpatico somali, disse-me que os sudaneses tem sorte em ser alvo de tao grande atencao internacional e por terem tantas organizacoes internacionais envolvidas na reconstrucao e desenvolvimento do pais. 'Tomara muitos paises africanos; a Somalia, por exemplo! Custa-me que nao haja ninguem envolvido assim no meu pais...', diz-me. Percebi o que me quis dizer, mas perguntei-lhe, ainda assim, se achava que essa presenca vasta e significativa se traduzia em resultados positivos e concretos ou se, pelo contrario, nao contribuiria para uma certa 'dependencia' relativamente 'a assistencia internacional ou mesmo para algum cansaco por parte da populacao... Desviou o olhar por uns segundos, bebeu um pouco mais de cafe, franziu o sobrolho em jeito de duvida e nao respondeu. E eu tambem nao insisti...

Amizades


Nos ultimos dias, o trabalho foi apertando (assim como o calor, diga-se de passagem...) e o tempo foi escasseando para passar por aqui. Ja sao poucos os dias que me restam em Khartoum e tenho de garantir os ultimos contactos antes de ir. O balanco 'e francamente positivo e sinto que valeu bem a pena vir. O trabalho academico beneficia significativamente do contacto com a realidade que se estuda e analisa, e 'e bom que assim seja; ganha em seriedade, pelo menos. Mas ter vindo a Khartoum tem o valor acrescido de me ter permitido conhecer pessoas absolutamente fantasticas e de uma simpatia e humildade que ja nem sempre se encontra. O Ahmad, taxista sudanes com os seus sessenta anos e um ingles perfeito, 'e o exemplo dessa simpatia. Conheci-o num dos dias em que precisei de taxi para me deslocar ao centro da cidade. No final da viagem, e depois de uma animada conversa sobre as diferencas entre Portugal e o Sudao e sobre a minha vontade de conhecer a o resto da cidade, deu-me o numero de telefone para que lhe ligasse sempre que precisasse de ir a algum lado ou mesmo se algum dia quisesse que me mostrasse Omdurman (a parte mais cultural da cidade). Uma vez que ontem era o meu ultimo dia livre (o equivalente ao nosso domingo) em Khartoum, decidi ligar-lhe para me levar a conhecer um pouco mais da cidade. Foi uma tarde bem divertida, completamente diferente, por mercados de frutas e legumes, chas, bugingangas e sapatos, camelos, vacas, cabras, tudo. Levou-me ao Souq shabi ao Souq Lybia, contou-me sobre as suas viagens aos EUA, Inglaterra, Dubai, Somalia, Arabia Saudita, da sua familia e do seu orgulho em ter apenas uma esposa (e nao 4 como outros muculmanos, porque isso significaria ter 4 vezes mais problemas!), dos seus 5 filhos, das desigualdades sociais no Sudao e do gosto que tinha em poder mostrar-me a sua cidade. Como se nao bastasse, no final fez questao de me oferecer um sumo de laranja fresco num dos varios cafes/restaurantes/lojas/estamines espalhados pelas ruas. Ja a caminho de casa, disse-me que quando eu me fosse embora, perdia uma boa amiga, mas que se iria lembrar sempre de mim...E pensei exactamente o mesmo :) Afinal de contas, sao estas coisas, estas pessoas que acabamos por guardar sempre na memoria, nao 'e? O Ahmad 'e o senhor sorridente que esta 'a esquerda na foto. (Shukran jazeelan, Ahmad!)